Projeto Pró-Resgate realizou encontro em Porto Alegre de Voluntários que atuaram nas inundações de 2024 trocaram experiências
Depois das grandes inundações de 2024 em Porto Alegre, não houve muitos avanços na organização da sociedade para o enfrentamento de eventos climáticos extremos. Há muito a ser feito para que novas tragédias não ocorram. Estas podem ser as grandes conclusões do encontro “Troca de Experiências nos Resgates das Enchentes no Guaíba” realizado nesta terça-feira, dia 6 de maio de 2025, em Porto Alegre.
A Reitora da UFRGS, Márcia Barbosa, esteve presente na abertura, e também a Defesa Civil, a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e o IBAMA RS. Como representantes da sociedade civil organizada estiveram os organizadores, a Bia das Ilhas, a APCEF - Associação dos Profissionais da Caixa Econômica Federal; o Santuário Voz Animal, Vigidesastres, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto e as Cozinhas Solidárias, Associação Desabafa, Ivan Brizola, Rosa Beltrame, entre outros. A Reitora abriu o encontro afirmando que o trabalho de reconstrução depois das enchentes de 2024 “está pífio": “a gente reconstruiu bem as pontes, bem o aeroporto, só as coisas de luxo, né? E para os negócios. Mas quando a gente olha a casa da gente ainda tem gente desabrigada, as casas foram reconstruídas igualzinho e os muros estão lá, caídos no chão. E a nossa cidade de Porto Alegre cheia de lodo dentro dos esgotos”.
O evento foi organizado pelo InGá - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais e o Ser Ação Ativismo Ambiental para proporcionar uma oportunidade para as entidades e as pessoas que foram voluntárias para resgatar pessoas e animais em 2024 pudessem relatar suas experiências. Novos encontros virão, dizem os organizadores.
O professor do Departamento de Botânica da UFRGS e coordenador do InGá,Paulo Brack, afirmou que o desejo é que “nós queremos nos estruturar para enfrentar melhor os próximos eventos extremos que certamente ocorrerão”. Considerou ainda que estiveram no evento pessoas que participaram do resgate como um todo, como socorristas, e também os atingidos. A intenção do Pró-Resgate, explicou, é colaborar com a preparação da sociedade para novos eventos e tornar claro o que pode ser feito pela Defesa Civil e órgãos de coordenação e suporte às atividades em eventos climáticos extremos, e que não está sendo feito.
Emerson Prates, da coordenação do Ser Ação e do evento, considerou que "o encontro cumpriu seus objetivos e que o esforço terá continuidade com a realização de encontro de dia inteiro nas próximas semanas". "Conseguimos escutar as pessoas envolvidas nos resgates, tanto os que foram voluntários como algumas pessoas que foram socorridas. Constatamos que é necessária maior comunicação entre os órgãos competentes e o cidadão que vai passar pelas calamidades — todos nós sabemos que não é questão se vai acontecer ou não, mas de quando". Interessa, explicou, achar soluções porque não adianta colocar tudo em cima do Estado: "eles tem responsabilidade, mas a gente como cidadão civil tem que estar preparado para essa nova realidade que são as mudanças climáticas, mas não só lutar na parte do resgate como um todo, mas também na parte da prevenção".
Prates lembra que deve-se "procurar políticos e políticas que não sejam negacionistas, que não sejam com viés somente de empreendimentos, de alto padrão, de coisas que não condiz com os novos tempos, e que estão desmatando grandes florestas, estão destruindo parques aqui em Porto Alegre, e assim, nesse contexto todo, a gente vê que as pessoas que procuram um parque, elas procuram uma conexão com a natureza, não uma relação comercial, e a gente está vendo os parques virarem verdadeiros shoppings, dando... a prefeitura está dando esses espaços para empresas, para visar o lucro."
As amplas instalações do Centro Cultural da UFRGS sediaram a oportunidade para voluntários se encontrarem. As falas dos presentes demonstraram como foram difíceis os momentos vividos durante as enchentes. E como os órgãos estatais nas novas situações que surgirem ainda não estão prontos para agir junto com a comunidade. Em 2024, voluntários tiveram que realizar atividades que seriam do Estado como proteger armamentos, organizar aplicativos para montar redes de resgate, criar abrigos, tudo inicialmente sem qualquer planejamento prévio pelo sistema de Defesa Civil suficiente para enfrentar o que vinha pela frente.
Evandro Lucas, da Defesa Civil de Porto Alegre, relatou que já no dia 27 de abril de 2024, o organismo começou a agir nas ilhas. Algumas semanas antes vários integrantes da Defesa Civil haviam realizado um curso em Santa Catarina para agir em situações emergenciais, mas o que se viu em maio de 2024 foi completamente fora do previsto, com a água apresentando grande correnteza e dificultando o trabalho. E afirmou que a enchente de 2025, "para nós não foi amplamente divulgada, não foi amplamente clara". Hoje nós temos quatro meteorologistas dentro da nossa sala as 24 horas do dia. Contou que haviam iniciado a criação de núcleos comunitários mas foram atropelados pela enchente — "nossa idéia era criar um núcleo comunitário macro para cada região do Município, que são 17". Agora, registrou, nossa equipe está um mapeamento por água, vendo que se modificou, quais são os pontos que a gente poderia atracar, os pontos de rota de fuga. "A comunidade faz parte do processo de reorganização" e constatou que "o núcleo comunitário não pode vir de cima para baixo e sim de uma conversa para uma estruturação em conjunto — dessa forma, vai funcionar. Se eu participo da construção, logicamente eu me apropriei daquilo". Também informou que a Defesa Civil em Porto Alegre pretende criar um plano de voluntariado para a pessoa física e outro para instituições — haverá um aplicativo para os interessados poderem se inscrever.
Evandro também destacou que são 42 pessoas envolvidas diretamente com a Defesa Civil de Porto Alegre. "Até agora, a gente não descansou". A Defesa Civil atuou em todas as fases do desastre.
Beatriz Pereira, dirigente de várias entidades situadas nas ilhas de Porto Alegre, relatou que quando a área integrava o Delta do Jacuí não havia fiscalização sobre a ocupação humana. “Até aonde entendo, não poderia ter ninguém – não deveríamos estar lá porque era uma área de APP – a porteira estava aberta e nós precisávamos morar. Afinal de contas, projeto de habitação nessa cidade faz muito tempo que não tem. Nós temos que morar e fomos buscando as melhorias. Se eu tivesse condições de morar em outro lugar, eu estaria em outro lugar, num terreno maravilhoso. Mas não – lá é o nosso chão, lá nós construímos a nossa vida, lá nós temos de tudo um pouco e eu, enquanto mulher negra de periferia – estou muito envolvida porque sou de matriz africana – a lei me ampara para estar aonde eu quiser, não é isso? ”.
Constatou também que “é óbvio que o que aconteceu no Rio Grande do Sul foi uma catástrofe, mas será que foi só isso? Teve muitas coisas que poderiam ter sido evitadas se não ficassem pensando que arrumar comportas e abrir buracos não dá voto, então não arruma – o povo não está vendo, isso aí não vai dar voto”. “Eu saí [da minha casa] com água pelo peito sendo carregada pelo meu companheiro, meu irmão e meu sobrinho, porque a água era muito forte e quase me levou, mas Oxum, que é a mulher da água que mexe com isso tudo disse que não era a hora”.
Constatou Beatriz que “muitos nem tiram o calçado para não botar o pé na terra – o que é isto? o que aconteceu com os seres humanos? o que houve? (...) penso que o progresso é bom, mas não precisa destruir, não precisa acabar com tudo, não precisa transpor rios, não precisa desmatar”.
Nani Kaufmann propôs aos presentes a implementação de redes efetivas para organizar, por exemplo, pedidos de resgates e colocações de animais. Ressaltou a necessidade de manutenção permanente de bancos de dados sobre lugares para deslocamento, voluntários, e outros dados que viabilizem a mobilização rápida e eficaz da sociedade quando houver eventos climáticos extremos.
A bióloga Ana Paula Fagundes avaliou que o evento foi muito interessante "no sentido de poder se escutar outras voses — escutamos a papeleira, escutamos sobre a cozinha solidária, a Bia das Ilhas, ou seja, escutamos a comunidade". Constatou Ana Paula que estamos muitos falarem sobre a enchente trazendo técnicos e pessoas que não estavam aqui durante o fato, "não estiveram com o pé na água". E convidou a todos para a Festa da Biodiversidade que está ocorrendo em Porto Alegre, mas haverá uma atividade específica sobre as enchentes no próximo dia 20/5, terça-feira, na área em frente à Faculdade de Educação no campus central da UFRGS. O professor Paulo Brack vai conversar com os presentes sobre as enchentes de maio de 2024 (veja abaixo o convite).
A pedagoga Fernanda Ellwanger de Lima, proprietária do Santuário Voz Animal, narrou durante a tarde do encontro ter vivido intensamente o período da enchente de 2024 batalhando para resgatar animais e mantê-los alimentados e com boas condições de saúde em abrigo. Sobre o evento, Fernanda afirmou que foi importante porque possibilitou que "a gente pense sobre práticasboas práticas, experiências,trocar vivênciassobre vários aspectosdas enchentes, e, de minha parte, eu gostaria de destacarda importância dos animaisserem enxergados em catástrofesclimáticas que vierem a acontecer, e provavelmente vãovoltar a acontecer,e que eles sejam vistos como seres vivos que são. A gente sabe que muitos animaisforam deixados pra trás — suas famílias não conseguiram levá-los nos barcos, foram proibidos,e a gente gostaria de alertare fazer com que as pessoasreflitam sobre isso. Os animais sãosimseresque merecem ser consideradosnuma situação como essa".
O professor Marcelo Santos, de Geografia, que também ajudou na realização da Troca de Experiências, valorizou o evento porque foi uma oportunidade para falar a respeito de uma experiência traumática que foi a enchente de 2024 e "elaborar uma porção de situações com uma série de aprendizados".
O advogado Rogério Guimarães Oliveira utilizou seu veículo 4x4 a partir do maior polo de voluntários em Porto Alegre que esteve situado na av. Cairú e deu atendimento a diversas frentes incluindo o resgate de pessoas. Os barcos levavam as pessoas resgatadas até aquele ponto. Contou que junto com outros companheiros desenvolveu um setor de transportes "para levar as pessoas resgatadas para outros locais, abrigos ou residências de parentes, e depois fazer o resgate de animais, levar alimentos, levar quentinhas, transportar voluntários". Conta que também foi voluntário junto ao centro de concentração dos animais resgatados de Canoas, no viaduto Boqueirão, onde havia 4 mil animais resgatados. "(...) no final, os vountários responderam por 95 a 98% do attendimento da população naquele momento de calamidade quando os poderes públicos não conseguiram dar a resposta em função da dimensão da tragédia que se abateu sobre a nossa região, especialmente sobre Porto Alegre".
Sobre o encontro, afirmou que "foi o primeiro evento que buscou refletir sobre aquelas experiências". "Eu, particularmente, acredito muito na força do voluntariado civil porque os poderes públicos tem um raio de alcance de resposta bastante limitada nesses casos". "O voluntariado civil, nessa hora, dá uma resposta maravilhosa porque consegue rapidamente se organizar e utilizar os recursos pessoais e institucionais". "Algumas instituições, como a APCEF, tiveram participação bastante importante, como outras instituições também mas o voluntariado civil, alocando recursos diretamente de cidadãos conscientes desse dever de humanidade, de cidadania, canalizando e se organizando, oferece uma grande gama de respostas que são absoluamente necessárias nesse momento".
Apoios
A Troca de Experiências nos Resgates das Enchentes no Guaíbarealizada no âmbito do projeto Pró-Resgate no Guaíba levado pelo InGá - Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais e a Ser Ação Ativismo Ambiental e contou com o apoio da UFRGS pelo Centro Cultural e da APCEF / RS - Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul. O Fundo CASA colaborou com a aprovação de um projeto específico para o projeto.
Mais materiais sobre o encontro serão divulgados nos próximos dias.
Convite 20/05/2025Terça-feira
Roda de Conversa “Enchente de Maio”
Exposição e debate com o Professor Paulo Brack e demais convidados/as sobre as causas e consequencias da enchente de maio de 2024, abordando aspectos sociais e ambientais do que aconteceu. Onde? Campus Central da UFRGS, próximo a Faculdade de Educação (como chegar) - Centro Histórico, Porto Alegre.
Horário? 19h – 21h
A atividade faz parte da programação da Festa da Biodiversidade 2025